segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Algumas memórias, tecnofobia e Achutti

Este blog virou bissexto. Coisas da vida, tempo tem sido artigo raro ultimamente. Escrevo agora uma pequena salada de frutas. Volto no tempo a 1985. Recém aprovado no vestibular da Puc, começo a trajetória no jornalismo. Minha primeira oportunidade surge numa agencia fotográfica chamada Objetiva Press. Fotojornalismo e alguns trabalhos publicitários feitos pela turma do Luiz Antônio Braga Guerreiro, posso chama-lo meu primeiro professor da vida profissional e um dos grandes nomes do fotojornalismo gaúcho (responsável, junto Marcelo Ruschel, pela cobertura fotográfica do 1º Rock in Rio), que me possibilitou ter em mãos uma autêntica e mítica Leica. Eu, jovem e inexperiente, não sabia o que fazer e acabei desperdiçando a experiência. Fiz imagens a esmo, nada que prestasse. Não entendi a solenidade que o momento exigia. Coisa de guri. Restou deste período a lembrança de uma foto na abertura da Feira do Livro de Porto Alegre. Mandaram o estagiário (eu) para a solenidade. Tive minha primeira experiência de empurra-empurra entre colegas. Acabei me posicionando bem, em ângulo quase central ao patrono, o poeta Mário Quintana. Fiz vários clics, um deles registrou o poeta em plano americano, segurando com a mão erguida a sineta que marca a abertura da feira e uma expressão de alegria no rosto. Acabou sendo vendida para o então poderoso JB (a Objetiva prestava serviços para a sucursal gaúcha do Jornal do Brasil) e publicada no caderno de cutura. Lamentavelmente não tenho cópia disso. Deixei a fotografia e só retomei como hobby há pouco tempo, dois anos no máximo. Mas nunca deixei de trabalhar com imagens - só de televisão são 18 anos... Passei por quase todas as grandes mudanças tecnológicas do fim do século XX e começo do XXI. E aprendi uma ou duas coisinhas (talvez três).

Medo da Tecnologia

Hoje em dia isso soa como discurso jurássico, mas quem tem mais de 40 anos precisou "domar" as transições tecnológias. Uma experiência radical. Ao contrário do pessoal que nasceu de 1980 para cá e cresceu com um joystick na mão, minha geração ainda tinha aulas de datilografia. Lembro com uma ponta de nostalgia da minha Olivetti Lettera 35, autêntico "notebook" analógico que me acompanhou desde meados dos 70 até os 90. Computador era coisa de filme de espionagem. Computador pessoal era quase uma ficção, pelo atraso em que vivia o Brasil e pelos preços. Foi na marra que precisamos aprender a mexer nestas "coisas". E agora vem a primeira revelação: não há o que não possa ser aprendido com um mínimo de boa vontade. Não falo necessariamente em dominar tencologias e virar um "Steve Jobs" dos programas, mas de saber operar de forma satisfatória os softwares. Se puder agregar conhecimentos e técnicas avançadas, melhor ainda. A segunda revelação é: para dizer "não gosto de tecnologia, prefiro fazer as coisas à moda antiga", TAMBÉM é preciso entender a tal tecnologia. Até para criticar e descartar alguma coisa, devemos compreendê-la primeiro. Hoje existe um amplo movimento de volta ao uso do filme na fotografia. Pessoas que preferem a estética do negativo, dos slides, até mesmo o uso de cameras "toscas" (Hola, Lomo, etc) em nome de um trabalho mais autoral. Perfeito, ótimo, desde que não represente uma negação por ignorância dos recursos que a foto digital e os inúmeros programas de edição podem trazer.

Achutti

Onde entra o Achutti nisso tudo? Bom, primeiro quero dizer que não o conheço pessoalmente, nunca falei com ele, mas era um dos "ídolos" da minha época de faculdade. Cabeludo, fotógrafo, reconhecido. E que agora, aos 50 e poucos anos, longe de estar velho ou aposentado, teve um belíssimo livro lançado pela UFRGS, dentro do projeto Percurso do Artista. A obra traz dezenas de imagens feitas pelo Luis Eduardo Achutti, desde os tempos do filme e do slide, até a produção pós virada tecnológica. Em tudo as imagens reforçam a terceira revelação: quem tem talento, mais cedo ou mais tarde consegue expressá-lo em qualquer plataforma tecnológica. O Achutti tem foto com filme, com digital, até dentro de cabine fotográfica na França. Todas de uma qualidade superior, coisa de fazer babar de admiração. Ele também escreve - muito bem, para variar... Fragmentos de memórias e "achismos" gerais. Reproduzo aqui, sem nenhuma autorização, trechos de um dos textos mais legais e que também motivaram este post, datado de 2009. Com vocês, Luis Eduardo Achutti:

" Fotografia é uma palavra que nomeia visões bastante diferentes. Fotografar é uma ação que guarda em sí enorme diversidade de engajamentos e propósitos... Fotografias foram desiguais desde o princípio, embora sempre âncoaras da memória... Escolher uma fração de tempo para determinado espaço, espaço no tempo. Registrar a vida e ao mesmo tempo viver - viver da vida, retirar do turbilhão momentos que não percam o sentido mesmo que imobilizados e condenados ao passado. Este é o fazer dos fotógrafos, sejam quais forem eles... Morre um fotógrafo, nasce sua obra, para ser admirada no conjunto, na medida em que alguém se dedique a decifrar os artigos deixados por ele... Agora, neste instante e amanhã, cada um de nós faz e fará tudo... O Mundo é o álbum do Facebook! Assim e não o contrário. Lomografia - vale a pena conhecer - trata-se de atirar sem apontar, anotem aí! A esmo... Na dita pós-modernidade surge tudo quase ao mesmo tempo, o mundo virtual, a imagem numérica, o Photoshop, a arte conceitual, a novela sem roteiro e sem atores (Big Brother, que os franceses chamam de tele poubele)... As imagens são como nós: às vêzes nascem, pensam. Mas elas não morrem! Uns fotógrafos morreram, outros estão por nascer em meio à nova norma da virtualidade, ainda não completamente anunciada. E há os fotógrafos da transição, com e sem seus envelopes mal-escritos e embaralhados, trabalham com gigas de emaranhadas boas intenções, para continuar reinventando um rela que vai se oferecendo cada vez mais rarefeito e intangível. Não mais alquimistas nem magos do tempo alheio, talvez ainda mais sós do que acompanhados, os fotógrafos persistem na fabricação dos rastros de suas próprias existências."


Reproduções do livro Percurso do Artista: Achutti - UFRGS, Prorext, 2011, Porto Alegre, RS