terça-feira, 25 de outubro de 2011

Ética na imagem

Um ponto de discussão que desperta debates intensos é a edição ou pós-produção de imagens no jornalismo. Ainda que não seja novidade – mesmo nos antigos laboratórios em P & B era possível “puxar” determinadas áreas da foto, de acordo com o interesse do fotógrafo - agora o uso de imagens feitas por celular, com aplicações de filtros, ou com o tratamento posterior se tornaram rotineiras. Recentemente uma polêmica envolveu o uso de imagens feitas por celular (I Phone) e aplicação de um filtro do programa Hipstamatic. Premiadas na 68ª edição do concurso de fotojornalismo Picture of the Year International, promovido pela Escola de Jornalismo de Missouri (EUA), as fotos do fotógrafo Damon Winter (fotos ao lado) receberam filtros de saturação, vinheta, etc, reabrindo o debate sobre a fidelidade ao real exigida pela ética do fotojornalismo. Outros exemplos que comprovam como o uso de imagens ainda pode gerar muita discussão: a manipulação descarada da imagem de Osama Bin Laden, sobreposta a de outra pessoa morta para parecer uma foto do líder da Al Qaeda. E um pouco mais antigo, mas não menos representativo, o caso do fotógrafo Brian Walski, em abril de 2003, que divulgou foto de civis iraquianos abandonando a cidade de Basra orientados por um soldado britânico. Tudo estaria bem se Walski não houvesse combinado na mesma foto elementos de duas fotografias tiradas da mesma cena (fotos ao lado e abaixo). Ainda que, num primeiro momento Walski tenha tentado se defender, argumentando que pretendia aumentar o efeito dramático da cena, acabou demitido do jornal Los Angeles Times e, mais tarde, demonstrou arrependimento pela fraude que violou os padrões básicos do fotojornalismo: precisão e honestidade.


Abaixo: foto depois da manipulação

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Consertando buracos...

Reproduzo aqui a notícia para mostrar que sempre é possível encontrar um jeito diferente de fazer as coisas: alunos do curso de Criação da ESPM em Porto Alegre fizeram um protesto bem-humorado e - como pede o próprio curso - criativo. Saíram às ruas da cidade no dia 08 de outubro em busca de buracos nas calçadas. O objetivo era alertar a municipalidade sobre a importância da conservação do passeio público. Os dez alunos preencheram as falhas no calçamento com massa de modelar e molduras, criando imagens surpreendentes. A proposta, que pode ser levada a outras cidades, surgiu com o professor e publicitário Zico Farina, no blog Sidewalkingsp.

Os buracos das calçadas de Porto Alegre foram preenchidos com massa de modelar e enfeitados com uma moldura<br /><b>Crédito: </b> Vinícius RorattoCerca de dez alunos do curso participaram da iniciativa<br /><b>Crédito: </b> Vinícius Roratto
Massa de modelar e moldura tomaram conta das ruas do Centro de Porto Alegre<br /><b>Crédito: </b> Vinícius RorattoEstudantes criam protesto irreverente contra buracos. Veja fotos Crédito: Vinícius Roratto
Fotos: Vinícius Roratto/Correio do Povo



sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Bom gosto, mau gosto?

Dia desses li num site de fotografia um artigo sobre "mau gosto" em imagens. Entre tantos conceitos vagos e imprecisos - "brega", "cafona", etc - o autor se deu ao trabalho de listar supostos exemplos do que seria de mau gosto ter num portifólio profissional. Acontece que o nosso paladino da estética se emaranhou na areia movediça dos conceitos vagos e pouco específicos. Na verdade o que fez foi atribuir a uma série de efeitos de pós-produção a condição de "bregas e cafonas". Talvez mal saiba o autor que esta discussão é mais antiga que o mundo e não há conceito universal que consiga dizer, definitivamente, o que está acima ou abaixo de uma linha de pretenso "bom gosto".

História

Historicamente existem fatores que delimitam a estética na atividade artística e na vida social. As elites econômicas ou políticas costumavam ditar as normas do que era aceitável ou não. Nas cortes dos reis europeus, por exemplo, a cor da pele deveria ser imaculadamente branca, no máximo com um leve rosado - daí o uso de talco e outros produtos para deixa a pele alva. Uma cútis queimada denotava a origem social do indivíduo - exposto ao sol pela necessidade de trabalhar, estava automaticamente excluído da "elite".
O século XX trouxe uma quebra de paradigmas sem precedentes. Parte pela ação da própria sociedade, parte pela necessidade da indústria de consumo de expandir mercados, o fato é que pouco restou dos "certos e errados" de outras eras. Vivemos um tempo de conceitos líquidos (arrá!), como diria Zygmunt Bauman, um dos inspiradores deste blog.


Discussões, discussões...

O campo artístico talvez seja um dos últimos que ainda guarda resquícios do dogmatismo passado. Não raro debatedores trocam farpas em defesa de valores estéticos opostos. Discussão infrutífera, tendo em vista que raramente alguém muda de opinião. Intelectuais ainda se veem na condição de "defensores" de uma suposta qualidade artística que não poderia ser produzida ou mesmo apreendida pelas massas burras e ignaras... Uma pretensão e tanto, diga-se de passagem. A liquidez de conceitos derruba estas posturas intransigentes e conservadoras (sim, mesmo entre os "mudernos" e descolados existe muito de conservadorismo) na medida em que o tempo se encarrega de desfazer teses e pré-conceitos. Um exemplo na própria fotografia: aquelas imagens meio lavadas, com cores pouco definidas e um tom entre o sépia e o verde das fotos tiradas com cameras polaroid hoje é cult e vários programas de edição tratam de oferecer presets para deixar fotos atuais com aquele ar retrô. Com certeza, em alguns anos (meses? semanas?) tais efeitos estarão relegados ao esquecimento, sendo considerados datados, cafonas, etc, talvez pelas mesmas pessoas que hoje acham tudo isso muito legal. Na moda então, nem é bom falar nos tantos exemplos: os anos 70, que já foram sinônimo de mau-gosto, depois voltaram como cult total. É a vida...

Liberdade


Dito isso, minha opinião é a mesma e marca este espaço desde o começo: não há porque estabelecer limites e regras em atividades que são eminentemente criativas e subjetivas. Gostar ou não de algo é valor pessoal e intransferível. Conceitos estéticos dependem de inúmeros fatores, mas o principal me parece ser a base sócio-cultural de cada um. Claro que existem estilos mais simples e diretos de produção artística, facilmente assimiláveis por um número maior de pessoas. Em tese, no extremo oposto, as produções conceituais, experimentais, que buscam a diferenciação do senso médio estariam no espectro de um "refinamento cultural". Só que nada disso tem valor se vier carregado de dogmas e uma suposta "superioridade" estética. É interessante notar como alguns dos maiores gênios da humanidade, cedo ou tarde pregaram uma postura de humildade diante do conhecimento como a melhor forma de posicionamento pessoal. O "saber que pouco se sabe" ajuda a colocar o ser humano numa dimensão mais adequada, derruba falsos pedestais e termina com o ar blasé de uma suposta intelligentzia, imersa no pântano de um mundo em transformação permanente, cada vez menos disposto a dar relevância ao ataque dos falsos "pensadores".

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Stieglitz e o sentido da fotografia

A busca por uma identidade própria enquanto exercício cultural/artístico sempre inquietou os fotógrafos. Se no princípio a fotografia era considerada pelos artistas "sérios" como um simples apoio para pintores, logo surgiram os defensores do que deveria ser a autêntica expressão fotográfica. Um deles é Alfred Stieglitz
(1864-1946), americano, filho de um próspero comerciante de lã. Morou em Berlim, onde estudou e foi colega de diversos artistas. Logo se interessou pela ainda recente atividade fotográfica e a defendeu como uma forma de expressão única. Em suas próprias palavras, " Nunca desenhei, nem pintei, nem tive lições de arte; nunca quis desenhar ou ser artista, nem sabia de nenhuma dessas atividades quando comecei a fotografar. Comecei pelo ABC e fui formando meus métodos próprios e minhas ideias". Curioso notar que o próprio Stieglitz teve reação semelhante a de alguns fotógrafos hoje diante da profusão de equipamentos digitais, quando viu as primeiras cameras de mão: "é divertido ver a maioria dos operadores de cameras de mão disparando toneladas de chapas a esmo, sem saber como vai ser o resultado final...". No entanto, em 1897, ele próprio já aplaudia as possibilidades das pequenas máquinas.

Quinta Avenida, 291

Em 1902 criou seu grupo fotográfico, a que chamou Foto-Secessão, inspirado nos pintores secessionistas alemães que se rebelaram contra a arte acadêmica. No famoso endereço do número 291 da Quinta Avenida, em Nova Iorque, realizou exposições de arte moderna e foto. Definia o local como "um laboratório, uma estação experimental". Nas discussões com seus amigos pintores, alfinetava: "não sei nada de arte, nunca quis fotografar como vocês pintam". Apesar da aparente dicotomia, Stieglitz era acima de tudo um defensor da criatividade. Realizou 175 exposições entre pinturas e fotos no "291". Dizia que, paradoxalmente, a camera poderia libertar os pintores da necessidade tradicional de serem literais e representacionais; assim, a pintura moderna poderia ser a "anti fotografia", ao passo que a fotografia poderia ser tão somente ela mesma...
Entre suas fotos mais famosas, estão ensaios sobre o inverno em Nova Iorque, a série "música" com fotos de nuvens e cenas da vida nas cidades. Outro destaque é o "retrato composto de Georgia O´Keefe" - sua esposa - formado por mais de quatrocentas imagens tiradas ao longo de muitos anos para compor um único painel. Suas fotografias foram as primeiras a serem expostas nos grandes museus de arte de Boston, Nova Iorque e Washington.
O video a seguir conta mais da história de Stieglitz, sua fotografia revolucionária e pioneira: